segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pare, Escute, Olhe (Pare, Escute, Olhe)

Dar voz a quem não a tem

Era com grande expectativa que eu aguardava o segundo filme de Jorge Pelicano. Vi “Ainda Há Pastores?” e, como o realizador (camaraman da SIC), apercebi-me de que há mais histórias no designado “Portugal profundo” que valem a pena ser exploradas (no bom sentido, claro!). Nesse filme, o autor soube tão bem revelar a vida dos pastores da Serra da Estrela, com o respeito e a ternura que se impunham, mas sem por isso deixar de mostrar com crueza da realidade, que eu contava os minutos para ver a sua nova obra.
Perdida a oportunidade de ver o filme no “Doc Lisboa”, esfreguei as mãos de contente quando ele viajou até Coimbra para o “MostraLingua2009” (
http://www.mostralingua.org/) e lá fui.
A delicadeza continua. O vício de colocar “as personagens” (que são reais, sempre gente humilde) a contar a sua história sem filtro também. Não há paternalismos, nem desculpas, nem expectativas. É tudo cru. Como na obra anterior não há narrador, nem explicações, nem ninguém que ajude o espectador a seguir a linha de raciocínio do autor. E essa é a melhor parte, porque o público estabelece de imediato uma relação com os intervenientes e segue-os, espera-os, ouve-os. Decide por si quais são as características de uns e de outros e o que pode esperar deles. E, no fim, a ternura por aquelas “personagens” fica colada à pele.
Nesta obra, a Linha do Tua funciona como protagonista. (E quem quer ver um filme sobre a Linha do Tua, perguntará o público dos cinemas Lusomundo? E a minha resposta é: Experimentem! Experimentem e depois conversamos…) Entre Bragança e Foz Tua, o filme mostra duas realidades distintas da linha: o troço desactivado o e o troço activo. No primeiro, os comboios já não circulam e os autocarros que os vieram substituir há muito que desapareceram. As aldeias ficaram sem um único transporte público, isoladas. No troço activo, o anúncio da construção de uma barragem no Foz Tua, encaixada num património natural e ambiental único, ameaça o que resta da centenária linha.
O que começa como uma visão profunda da realidade em que vive aquela população (gente envelhecida, cujos filhos e netos há muito optaram, na maioria dos casos, por partir para o estrangeiro), transforma-se, à medida que o filme a avança, numa opção clara do autor pela defesa da linha. Os argumentos pró e contra são apresentados com igual direito de antena, mas, de alguma forma, uns são deitados por terra (por comparações com o estrangeiro ou contradições de palavras de políticos), outros recolhem apoios em imagens e depoimentos sentidos.
Talvez por defeito profissional (por ter sido jornalista), tenho de admitir que me chateia ver documentários em que me tentam manipular. Mas sei que os que são supostamente isentos estão em vias de extinção e imagino que vou ter de me habituar aos outros... Desconfio até que, na época em que vivemos (política, económica, global), começam a ser necessárias as vozes que explicam ao público quais as soluções disponíveis e por qual delas optar, já que, cada vez mais, vivemos num mundo de alienados e as causas têm - também elas - de estar pré-fabricadas.
A Linha do Tua é uma causa digna. Neste caso, provavelmente, nem era necessária essa “manipulação”. A opção pela defesa do património natural já começa a ter mais adeptos do que a desculpa do progresso para destruir rios e montanhas, quintas e vidas...
Seja como for, o Jorge Pelicano convenceu-me. Mas mais do que me convencer (a mim ou qualquer outra pessoa) a apoiar uma causa, tem o mérito inigualável de ter dado voz a quem não a tem, de ter mostrado um património extraordinário e desconhecido de muitos portugueses e de ter feito justiça ao lutar por quem já está cansado de ser saco de pancada. Talvez seja disso “que o país precisa”...
Em última análise, os ingrediente que me fizeram cair de amores pela primeira obra deste realizador mantêm-se na actual. E, com causas ou sem elas, a expectativa para continuar a ver filmes do mesmo autor permaneceu.
Os meus sinceros parabéns a toda a equipa que dedicou o seu tempo a dar voz às gentes do Tua.

Classificação:
****