domingo, 24 de outubro de 2010

Comer Orar Amar (Eat Pray Love)

Espiritualidade à Americana

De acordo com a sinopse da Lusomundo, Liz Gilbert (Julia Roberts) tinha tudo o que uma mulher moderna deseja – um marido, uma casa, uma carreira bem sucedida. Mas ainda sim, como muitas outras pessoas, sente-se perdida, confusa e em busca do que realmente deseja na vida. Recentemente divorciada e num momento decisivo, Gilbert saí da sua zona de conforto, arriscando tudo para mudar de vida, embarcando numa jornada à volta do mundo que se transforma numa procura por auto-conhecimento. Nas suas viagens descobre o verdadeiro prazer da gastronomia em Itália; o poder da oração na Índia, e, finalmente e inesperadamente, a paz interior e equilíbrio de um verdadeiro amor em Bali. Baseado no best-seller autobiográfico de Elizabeth Gilbert, Comer, Rezar, Amar prova que existe mais de uma maneira de levar a vida e de viajar pelo mundo”.
Ao que parece, a América recebeu o livro e o filme como a nova fórmula para a busca da felicidade. Liz Gilbert é, para o Americanos, uma mulher corajosa e espiritual, com direito a entrevistas em directo na Oprah e um filme protagonizado por Julia Roberts - que, imagine-se!, comeu mesmo pasta! Não mastigou e deitou fora os hidratos de carbono, como fazem as grandes actrizes de Hollywood quando são obrigadas a envenenar-se desta forma vil em prol de um (bom?) papel. Seria de esperar que do lado de cá do Oceano Atlântico a percepção fosse a mesma?
O livro foi, igualmente, um best seller na Europa e (diz-se!) até fez aumentar o número de turistas em Itália, na Índia e na Indonésia – afinal, o que vem da América com selo de “fantástico” raramente é ignorado. O filme, por arrasto, também. Mas, talvez pela diferença geográfica e cultural ou apenas pela falta de uma certa infantilidade humanística que existe na Terra do Tio Sam, deste lado “do lago”, a Liz Gilbert do filme parece uma mulher limitada e egocêntrica que anda à procura da espiritualidade em todos os locais errados… E, ao que parece, há na obra uma enorme confusão entre “felicidade” e “paixão”, porque, na realidade, o que Liz encontra é um novo amor. Pode argumentar-se que o encontra (e é “grande”) porque está finalmente preparada para isso. Sim, talvez seja verdade. Vamos acreditar que é mesmo essa a conclusão do filme ou ele deixará de fazer qualquer sentido…
Pelas questões pertinentes que levanta e os pormenores que traz à luz sobre as diferenças entre homens e mulheres e o que se passa, em geral, no íntimo do espírito humano, vale a pena ir ver e até estar disponível para verter uma ou outra lágrima mais persistente. Mas, por favor, não se dirijam ao escuro da sala a pensar que vão ver uma obra que vos vai mudar a vida, porque não vai. Será uma sorte se, duas semanas depois, se lembrarem de algo mais do que a Júlia Roberts toda babada de pasta…

Clasificação:
**

Embargo

Humanidade nas quatro rodas

“Nuno é um homem que trabalha numa roulotte de bifanas, mas que inventou uma máquina que promete revolucionar a indústria do calçado - um digitalizador de pés. No meio de um embargo petrolífero e deparando-se com uma estranha dificuldade, Nuno tenta obstinadamente vender a máquina, obcecado por um sucesso que o fará descurar algumas das coisas essenciais da sua vida. Quando Nuno fica estranhamente enclausurado no seu próprio carro e perde uma oportunidade única de finalmente produzir o seu invento, vê subitamente a sua vida embargada…”, diz a sinopse.
Saramago escreveu esta belíssima metáfora (sobre a humanidade que, se pudesse, ia de carro à casa de banho), António Ferreira (Esquece Tudo O Que Te Disse, 2002) filmou-a respeitando a luz sombria do autor da história, Coimbra serviu de cenário (embora discretamente e sem qualquer referência directa) e Cláudia Carvalho (lindíssima e talentosa) e Eloy Monteiro (muito convincente no papel tresloucado de Nuno) dão vida aos papéis principais com competência e seriedade. Fernando Taborda e José Raposo são irrepreensíveis. E o jovem Miguel Lança poderá ser um óptimo actor quando deixar de acusar o peso da responsabilidade de estar a contracenar com figuras consagradas.
O principal desafio do filme para o espectador é tentar adivinhar em que época é que a história ocorre, já que os carros são da década de 80, mas há telemóveis enormes (anos 90) e euros (anos 2000). De resto, é uma história de Saramago. Ou seja: óptima metáfora, história tresloucada e porca e nula conclusão.

Classificação:
***